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Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay

  • Foto do escritor: Yasmine Evaristo
    Yasmine Evaristo
  • 25 de mar.
  • 7 min de leitura

Imagem: Fotograma de "El espejo de la bruja" (1960) de Chau Ureta
Imagem: Fotograma de "El espejo de la bruja" (1960) de Chau Ureta

Por Yasmine Evaristo | Ensaios


O cinema mexicano de horror pode ser datado a partir do lançamento de La Llorona (1932), de Ramón Péon. O mito da Llorona (Chorona) é popular no México, bem como em outros países da América-hispânica. A lenda conta a história de uma mulher que após ser traída por seu marido se revolta e mata seus filhos afogados e, em seguida, se suicida. Como consequência, a alma penada da mulher vaga pelas estradas, matas e vilas, em busca de vingança, ou sequestrando crianças em uma tentativa de substituir seus filhos e em seguida as matando, ou chorando e lamentando seu destino.


Analisando superficialmente alguns temas presentes no filme La Llorona, podemos destacar alguns elementos que posteriormente terão certa recorrência nos filmes de horror do país, por exemplo, os aspectos religiosos. A lenda de Chorona, em si, carrega uma forte carga de culpa e pecado, elementos centrais na doutrina católica. A personagem, que assassinou seus próprios filhos, foi atormentada por seus atos e partiu em busca de redenção por meio do sofrimento eterno. De maneira semelhante à presença da culpa, vemos uma maldição sobrenatural assombrar a protagonista e seus descendentes, um tipo de punição divina, ao mesmo tempo que, em oposição, a busca por redenção através do sofrimento sugere uma forte esperança de salvação, sendo assim, mais um tema recorrente na religião católica. 


Além disso, a dicotomia entre o sobrenatural e o sagrado também é explorada através da presença de elementos como fantasmas e visões. Tais elementos se misturam com elementos religiosos, como crucifixos e orações. Nesta fusão entre o sobrenatural e o sagrado, encontramos características marcantes do folclore e mitologia latino-americanos, que incorporam elementos da religião católica em suas crenças e lendas. 


Ser mulher é ser naturalmente bruxa: a Chorona e Iara, confluências do pragmatismo cristão na construção de narrativas sobre corpos femininos 


No Brasil, por exemplo, não temos o mito da Chorona, mas podemos criar uma comparação com a lenda brasileira da Iara, também conhecida como Uiara, a "rainha das águas". Sua figura carrega elementos de diversas tradições: indígena, pois Iara é originalmente uma figura do folclore indígena, a sereia que habita rios e lagos da Amazônia. Sua origem remonta às crenças dos povos originários, que viam os rios como moradas de espíritos e entidades poderosas. Assim sendo, essa personagem feminina, poderosa e sedutora, que exerce poder sobre os homens por meio de seu canto, pode ser considerada uma adaptação da figura das Amazonas latino-americanas, das aldeias indígenas originárias “descobertas” durante a colonização, um espelho das mulheres guerreiras da mitologia grega.


A figura da Iara, ou Uiara, bem como a da Chorona, remonta a dogmas católicos, afinal, com a colonização, a figura de Iara foi ressignificada, incorporando elementos da religião do colonizador: a colonizada de natureza sedutora e perigosa foi associada à figura do pecado e da tentação, em especial a luxúria. Como consequência, o sincretismo religioso negocia no imaginário a figura de Iara/Uiara em um diálogo com outras entidades femininas de religiões e manifestações do sincretismo brasileiro, como Iemanjá ou Oxum, orixás das águas salgada e doce, respectivamente, em religiões afro-brasileiras. Ambas compartilham o domínio sobre as águas, a associação com a fertilidade e com a proteção, ao mesmo tempo que têm sua história reescrita como figuras femininas promotoras de tentações emocionais, psicológicas e espirituais. 


Não se assustem com esse desvio no assunto cinema mexicano de horror. Não comuniquei antes, mas a proposta desse texto-ensaio-diálogo é lançar ideias sobre as quais possamos ter algumas lentes que facilitem a leitura e o diálogo com o cinema latino-americano de horror dos anos 1930 a 1970, especificamente mexicano, mas com alguns deslocamentos para produções brasileiras.


Pois bem, de volta aos elementos que compõem La Llorona, não posso deixar de falar sobre dois elementos fundamentais que são a moralidade e a família. Quando o filme aborda esses temas, valores importantes na religião católica, podemos entender que a história da Chorona serve como um alerta sobre as consequências do pecado, bem como a importância da família na construção de um ideal perfeito de existência terrena.


Duas décadas depois, um novo aceno ao cinema de gênero: o cinema de Abel Salazar e Chano Urueta


Voltando a cronologia dos filmes mexicanos de horror, nos anos 1950, o cinema de gênero ressurge, de certa maneira, pelas mãos de Abel Salazar. Nascido na Cidade do México em 1917, Abel foi uma figura multifacetada e influente no cinema mexicano, especialmente durante a Era de Ouro e a década de 1950. Sua trajetória abrangeu diversas áreas da produção cinematográfica. Iniciou sua carreira como ator, destacando-se por sua capacidade de interpretar personagens complexos e sombrios em filmes de terror e suspense, consolidando sua reputação como um dos principais atores do gênero no México. Entre seus filmes como ator, destacam-se produções como El Vampiro (1957) e El ataúd del Vampiro (1958), ambos dirigidos por Fernando Méndez, filmes que se tornaram clássicos do terror mexicano. 


Além da atuação, Salazar também se destacou como produtor, desempenhando um papel fundamental na produção de muitos filmes de gênero populares durante a Era de Ouro do cinema mexicano. Sua produtora, Producciones Abel Salazar, foi responsável por filmes importantes do cinema de terror mexicano, como O Espelho da Bruxa (1962), dirigido por Chano Urueta, e El Baron del Terror (1961), dirigido por Gilberto Martínez Solares, obras que compõe o chamado Ciclo de Terror Gótico Mexicano. Salazar também contribuiu como roteirista, ajudando a criar histórias que cativaram o público mexicano, como é o caso de O Espelho da Bruxa, dirigido por Chano Urueta. 


Santiago Eduardo Urueta Sierra (1895-1979) foi um dos mais prolíficos e versáteis diretores do cinema mexicano. Sua carreira, que se estendeu por mais de cinco décadas, abrangeu uma vasta gama de gêneros, desde dramas e comédias até filmes de terror e aventura. Entre os anos de 1928 e 1974, Urueta dirigiu em torno de 116 filme (IMDb). Em sua carreira de ator, apareceu em filmes como Os Canhões de São Sebatião (1968), Meu Ódio Será Sua Herança (1969) e Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia (1974). 


A família Urueta e sua significativa relação com a política e as artes mexicanas


A relação de Urueta com o cinema e as artes teve como ponto de partida dinâmicas no seio familiar. Em 1938, no início de sua carreira, o realizador dirigiu um filme roteirizado por sua irmã, Margarita Urueta (1918-2004), escritora mexicana prolífica. Margarita se destacou em diversos gêneros literários, incluindo romance, teatro e ensaio. Ao longo de sua carreira, Margarita Urueta publicou uma vasta obra literária, explorando temas como a condição humana, a sociedade mexicana e a cultura. Suas peças teatrais foram encenadas em importantes palcos do México, e seus romances foram aclamados pela crítica e pelo público. Neste roteiro, do filme intitulado Hombres del Mar (1938), um grupo de pescadores passa por aventuras e desafios em sua vida cotidiana.


Bem como Margarita, a outra irmã de Urueta, Cordelia (1908-1995), foi relevante para que o ator e cineasta se sentisse estimulado. Cordelia Urueta foi uma pintora mexicana notável, reconhecida por seu estilo único que mesclava elementos figurativos e abstratos, com um uso expressivo da cor. Ela, bem como seu irmão e irmã, cresceu em um ambiente culturalmente rico, filha do escritor e político Jesús Urueta. Sua carreira artística floresceu a partir da década de 1930, e suas obras foram exibidas em importantes galerias e museus do México e do exterior. Margarita é considerada a grande dama da arte abstrata mexicana, se destacando ao lado de nomes como o de Frida Kahlo, Diego Rivera, Rufino Tamayo e Gustavo Montoya.


E, não menos importante, o pai desses artistas e articuladores artísticos, Jesus Urueta, desempenhou papéis importantes no cenário político mexicano, serviu como Secretário de Relações Exteriores do México, deixou um produção literária significativa, com obras que abrangem diversos gêneros e exerceu sua profissão de jornalista, contribuindo para o debate público e a formação da opinião pública no México, durante  Revolução Mexicana.


O Espelho da Bruxa 


Diretores e roteiristas do cinema mexicano, incluindo Chano Urueta, buscavam inspiração em elementos de sucesso do cinema americano para aplicar em suas produções. Essa prática era comum na chamada Época de Ouro do cinema mexicano, refletindo um desejo de alcançar o público mais amplo e de competir com a indústria cinematográfica americana.


Espelho da Bruxa (1962), marco do cinema de terror mexicano, combinou elementos do gótico com o melodrama característico do cinema mexicano da época, bem como uma abordagem latino-americana pautada na forma de modelar e narrar o suspense de Alfred Hitchcock. O filme conta a história se centra em Elena (Dina de Marco), uma mulher assassinada por seu marido, Eduardo (Armando Calvo), para que ele possa se casar com sua amante, Deborah (Rosita Arenas). Sara (Isabela Corona), a madrinha de Elena, uma praticante de bruxaria, busca vingança pela morte da afilhada. A atmosfera do filme é um dos seus pontos fortes, com cenários sombrios e labirínticos, além de uma cinematografia e design de produção/cenografia expressiva que evocam o terror gótico. Atores e atrizes trazem atuações teatrais, porém eficazes na transmissão das emoções dos personagens até mesmo por seu excesso, com especial destaque para Corona como a bruxa do espelho. 


O filme explora temas como obsessão, inveja e o poder. Novamente aqui encontramos com o elemento sobrenatural supracitado na análise de aspectos presentes na narrativa sobre a Chorona, bem como na construção de outra lenda latino-americana, a Iara. Ao mesmo tempo, no Brasil, o Zé do Caixão, pseudônimo de José Mojica Marins, realizava filmes no qual o personagem Zé do Caixão era o foco central de sua obra; entretanto, elementos de bruxaria e misticismo permeiam seus filmes, na criação de um universo sombrio e perturbador.


Em suas produções, Zé do Caixão explora temas como a morte, o sadismo e o ocultismo, muitas vezes fazendo referências a rituais macabros e figuras demoníacas. A figura da bruxa surge em algumas de suas obras, como em A Meia Noite Levarei Sua Alma (1964), amaldiçoando Josefel Zanatas, por sua postura agressiva e opressiva à comunidade em que vive. 


 A bruxa, neste caso, serve como um contraponto ao personagem de Zé do Caixão, representando as forças sobrenaturais que o desafiam e o confrontam com suas próprias limitações. Ainda que Zé trabalhe com forças ocultas ele não pode deixar de ser punido por suas escolhas, afinal, seu livre arbítrio não o isenta de sofrer a consequência de seus atos. 


Ao traçar um paralelo entre o cinema de terror mexicano, exemplificado por La Llorona e O Espelho da Bruxa, e o brasileiro, com a figura de Zé do Caixão em A Meia Noite Levarei Sua Alma, percebemos que ambos os contextos exploram o sobrenatural e a bruxaria como reflexos de ansiedades culturais e sociais. 


A religiosidade, a moralidade e a família, temas recorrentes nesses filmes, servem como espelhos das crenças e medos de suas respectivas sociedades. A presença de bruxas, seja como antagonistas ou como representações do lado sombrio da natureza humana, adiciona uma camada de terror e transgressão, desafiando as convenções e convidando o público a confrontar seus próprios medos e tabus. 


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 1. Ditado popular castelhano

  1. Outro filmes que compõem o Ciclo Terror Gótico Mexicano são The Brainiac (1961), La Maldicion de la Llorona (1961), El Vampiro (1959) e Misterios de Ultratumba (1959).


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